Recitadores seniores brilham nos palcos da Academia de Cordel
Aos noventa e três anos, João Theotônio é o decano dos poetas membros da Academia de Cordel do Vale do Paraíba. Em plena atividade, ele lançou seu livro de sonetos “Essa chama não se apaga”. “Seu Theo”, como é carinhosamente chamado, desfila sua simplicidade e sua poesia nos diversos palcos onde a Academia de Cordel realiza suas tertúlias com as rimas, métricas, cenas teatrais, músicas e outros elementos artísticos de seus associados. Até um mágico, nosso considerado Bartolomeu Xavier, costuma apresentar sua arte do ilusionismo, aparentemente distinta. “No fim, tudo é poesia”, garante Xavier.
“As grandes epopeias, como a Ilíada e a Odisseia, são formadas por histórias divulgadas oralmente pelos chamados ‘aedos’, que as declamavam em praça pública. Então, no início, a poesia era uma coisa para ser falada, cantada. Não existia essa relação exclusiva da leitura. E isso continuou ainda durante a idade média, com os menestréis”, afirma Bruno Gavranic, ator, dramaturgo e diretor teatral. Nos dias de hoje, os menestréis continuam declamando seus poemas em público. A Academia de Cordel do Vale do Paraíba vez por outra tem o orgulho de apresentar a declamadora Maria Estela Barata de Queiroz, mãe do nosso estimado confrade Stelo Queiroga. Dona Estela, aos noventa e cinco anos, leva à cena sua voz firme e delicada, dicção perfeita, declamando Olavo Bilac, Cecília Meireles, Jorge de Lima e outros poetas clássicos da literatura brasileira.
O próprio Stelo Queiroga nos conta a trajetória artística de Dona Estela: “Estelinha, como é carinhosamente nomeada, foi a segunda criança entre os sete filhos de Amando e Júlia. Daquele núcleo familiar recebeu, repassou e traz consigo, os ensinamentos de amor e cristandade. Também ali, nasceu o interesse pela arte teatral, vez que o casal (seus pais) costumava promover dramas e encenações caseiras, estimulando os próprios filhos. Órfã de mãe a partir dos 19 anos, Estelinha, em plena Segunda Guerra (1945), recém casada com o soldado do Exército brasileiro, José Olímpio de Queiroga Filho, assumiu a condução dos irmãos, que passaram a morar com ela. Começava assim uma longa jornada dedicada à educação de pessoas. Ao longo dos seus 95 anos de existência, Dona Estela, além dos dez filhos que gerou, deu luz a outros oito que adotou e a chamam de mãe. Dezoito filhos, 47 netos, 44 bisnetos e 2 tataranetas. Orgulhosa da grande prole, ela costuma gabar-se de poder pronunciar a frase: “Meu neto, me dá teu neto.” Viúva a partir de 2011, após 66 anos de vitórias, Estela, entre os muitos dotes artísticos, conserva os de declamar e cantar (dois CD’s já gravados em estúdio), além de compor (o segundo CD é de músicas autorais em louvor a Deus). Criou essa gente toda dentro de padrões morais e éticos, estimulando o trabalho, o respeito e o valor do semelhante. A arte sempre teve lugar em nossa casa, incentivada por ela”. Por fim, Stelo declama para sua mãe:
Digo o que de Maria Estela?
Que ela é uma fortaleza?
Que é uma batalhadora,
Um ser de rara grandeza?
Que mais diria eu dela
Que pelo nome é estrela?
Que é alguém diferente
Que viveu pra educar gente
Que conduz com o coração
E criou um batalhão?
E me ensinou ser prudente?
Ou digo só que é Mainha
Que me acolheu em seu seio
Que me serviu de esteio
E até hoje me acarinha?
Diria que ela sozinha
Se desdobrou em amor
E o fez com tal fervor
Que posso dizer até
Semeou em mim a fé
No nosso Deus criador.